4. Taxionomia de Anotações

4.1. Introdução à Taxionomia

A diversidade de sistemas que suportam algum mecanismo de anotação sobre documentos definiu um novo problema para discussão de trabalhos relacionados. Perante às soluções já existentes, onde deve se situar o mecanismo de anotação a ser implementado? Quais são os critérios e requisitos genéricos para tal mecanismo? A resposta a estas perguntas requer uma análise criteriosa de contexto, motivações, modelos e recursos providos em cada solução. A estratégia de análise consiste em construir uma taxionomia de anotações.

Um estudo paralelo sobre anotações não-computacionais fora realizado de modo a investigar os conceitos relativos à atividade de anotar, os quais inevitavelmente influenciam as soluções computacionais.

Uma introdução à disciplina de classificação, a taxionomia, é realizada a seguir. Este preâmbulo histórico é importante para compreender a essência de que se constitui uma taxionomia: a evolução, esta movida pela respectivas adversidades enfrentadas.

As diretrizes básicas da taxionomia biológica são os princípios da evolução natural das espécies. A preocupação em agrupar seres vivos segundo critérios que destaquem suas afinidades naturais é fato constante desde a antigüidade. Esta preocupação, é evidente, por exemplo, nos trabalhos de Aristóteles, que utilizou como critério para agrupar os animais as semelhanças em sua organização corporal. Ele verificou, por exemplo, que as baleias e os golfinhos, apesar de terem formas de vida semelhantes às dos peixes, diferiam destes quanto à organização do corpo, no que se assemelhavam aos mamíferos. Ele concluiu então, que baleias e golfinhos deveriam ser colocados na mesma categoria que os mamíferos terrestres e não junto com os peixes, onde eram em geral incluídos. O sistema de classificação que vinha sendo utilizado até a época de Aristóteles levava em consideração determinados aspectos morfológicos externos; apenas aqueles mais evidentes à primeira vista.

Após Aristóteles, praticamente não ocorreu nenhum grande progresso no campo da classificação biológica até meados do século XVIII. Nessa época, finalmente, o botânico sueco Lineu (Carl von Linné) conseguiu estabelecer as bases de um sistema de classificação, no qual os seres vivos eram agrupados de acordo com suas características anatômicas. Este tipo de critério de classificação leva naturalmente à constituição de grupos hierárquicos. Por exemplo, se colocamos as baleias e os golfinhos no mesmo grupo que os demais mamíferos; nesse caso, baleias e golfinhos seriam colocados em uma categorias de mamíferos, enquanto cães, lobos e raposas seriam colocados em outra. Lineu propôs que seres com características anatômicas idênticas fossem reunidos em um mesmo grupo, o qual constituiria a categoria básica do sistema de classificação: a espécie. Um fato interessante que deve ser mencionado é que Lineu era adepto da teoria fixista, a qual admite, contrariamente à teoria evolucionista, que todos os seres vivos foram criados tal e qual eles se apresentam atualmente. Portanto, seu sistema de classificação de modo algum procurava estabelecer parentesco entre as espécies de seres vivos. No entanto, o fato de basear-se em padrões anatômicos de organização corporal, seu sistema de classificação acaba por refletir o grau de parentesco evolutivo entre os seres vivos e é, por isso, considerado um sistema natural de classificação biológica.

As principais características observadas para classificação são aquelas que permitem distinguir um caminho de evolução de determinado grupos de seres vivos. Portanto, as características que acabam sendo observadas são aquelas que proporcionam alguma adaptação à nova adversidade. Este é um ponto importante para a taxionomia, pois torna implícito o fato "adversidade", que pode ser entendido como introdutor de uma nova função e finalidade. As finalidades aparecem então como possíveis indicadores para uma árvore de classificação, no nosso caso, para mecanismos de anotação.

4.2 Estudo de Anotações Manuscritas

As anotações manuscritas foram estudadas sob três atividades: "tomar nota" (note-taking), anotar e comentar. A atividade de tomar nota foi extensivamente estudada pela área de psicologia educacional. Os problemas estudados foram quanto à efetividade das anotações como um processo ou como um produto [Kiewra 85, Carter 75]. Em [Ladas 80] há sugestão de que a atividade de tomar notas deve ser orientada por meio de pistas dadas pelo professor, de modo a informar aos alunos acerca de quando e do que tomar notas.

Quanto ao aproveitamento da atividade de tomar notas, foram estudadas três configurações [Kiewra 91]: codificação (tomar notas e não revisar), codificação e armazenagem (tomar notas e revisar) e armazenagem externa (não tomar notas e revisar as notas de um colega). Atividade de tomar notas suportado por computador também foi estudado recentemente [Armel 96] e levantou perguntas como: Quando um estudante deve ser requisitado a tomar notas?

Há uma carência muito grande de estudos sobre a atividade de anotar para outros fins que não tomar notas ou transcrever conteúdos. Estudos mais aprofundados poderiam subsidiar decisões como: necessidade de definição de papéis, mecanismos de coordenação e adequação de mídias e recursos à atividade de anotar.

Quanto às atividades de anotar e comentar, estudamos dois manuscritos [Mário 35, Barreto 14] do acervo da Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro. Estes manuscritos foram extensivamente comentados por seus autores e demonstram como as atividades de anotar e comentar podem se configurar em atividades de autoria e revisão. Dois livros, "Namoros com a Medicina" de Mário de Andrade e "Numa e Nympha" de Afonso Henrique de Lima Barreto, foram os resultados das anotações sobre os manuscritos dos mesmos autores.

O manuscrito de Mário de Andrade [Mário 35] consiste de uma série de anotações realizados sobre o texto de um artigo que o próprio autor publicou em Revista de Publicações Médicas. Este artigo era um estudo de Mário de Andrade sobre crendices acerca do uso terapêutico de excretos. O manuscrito de Lima Barreto [Barreto 14] consiste de anotações sobre o texto de uma edição da própria obra "Numa e Nympha". O autor faz uso das anotações para corrigir erros de português e acrescentar novos conteúdos à obra. Destes manuscritos, identificamos os conceitos de lugar-de-anotação e de tipo-de-anotação. Cada conceito cumpre papéis específicos de: relacionar as anotações a trechos do texto-base, determinar o caráter de uma anotação, demonstrar a forma de interação via anotações. Mário de Andrade utiliza inclusive canetas de cores diferentes e lápis para definir o caráter de cada anotação. Os escritos em caneta servem para corrigir erros tipográficos e acrescentar novas discussões ao texto, sendo que a caneta vermelha caracteriza as anotações mais recentes, enquanto a caneta preta corresponde a uma primeira análise do texto pelo autor. Os escritos a lápis servem para classificar os parágrafos de acordo com a doença que trata. Há também diversos exemplos de anotações sobre anotações.

 

4.3. Critérios para Classificação de Anotações

A análise dos mecanismos de anotações foi dividida nos critérios principais: interação e modelo. A interação classifica os mecanismos baseando-se em: contexto, finalidade, interfaces disponíveis, recursos para colaboração. O modelo classifica os mecanismos segundo os conceitos empregados, tecnologia e arquiteturas utilizadas e restrições de implementação. Estes dois critérios gerais fornecem dois focos de análise que permitem englobar tanto inovações em fatores humanos e como também em soluções tecnológicas.

Os dois aspectos apresentam pontos de interseção, como os tipos de anotações. Os tipos de anotações dizem respeito à forma de interação (primeiro aspecto) e também dizem respeito aos conceitos (segundo aspecto) que viabilizam os recurso e requisitos. A seguir temos os dois critérios gerais com os respectivos sub-itens.

1. Interação:

2. Modelo:

1. Interação

1.1 As anotações são visíveis no texto-base

Como elas estão presentes?

2.1.1.1 in-line

2.1.1.2 in situ / in-place

Como são mostradas as anotações in situ/in-place?

1.1.3.1 Apenas conteúdo textual

1.1.3.2 Suporta tipos diferentes de lugar-de-anotação

1.2 As anotações não estão presentes no texto-base

Onde elas estão?

1.2.1 Aparecem em uma área separada ao lado do texto-base

1.2.2 Organizadas em uma página com ligações para o texto-base e para as anotações

2.1 Permite inserir anotações no texto-base

As anotações podem ser inseridas em qualquer lugar do texto-base?

2.1.1 Sim

2.1.2 Não. Só podem ser criadas em locais pré-definidos pelo autor do documento

2.1.3 Não. Só podem ser criadas em determinados lugares fixos do documento

2.2 Anotações são inseridas separadas do texto-base

2.2.1 Estão no mesmo arquivo do texto-base, mas aparecem em outra área própria ou

então ao final do arquivo

2.2.2 Em uma página que organiza ligações para anotações e para o texto-base

3.1 Fornece interface própria para editar uma anotação

Qual tipo de interface fornece?

3.1.1 Uma janela flutuante que permite gravar uma anotação

3.1.2 Permite editar a anotação em uma área no mesmo nível do texto-base

3.2 Não fornece interface própria para editar uma anotação

Como são editadas?

1.2.1 Por meio da adição ao texto-base de uma ligação para a anotação

1.2.2 Por meio adição de ligações em uma página base que dá acesso tanto ao texto-base como às anotações.

4.1 Escrita

4.2 Voz

4.3 Vídeo

5.1 Suporte à colaboração via anotações

Define restrições de acesso às anotações?

5.1.1 Sim - Define grupos de trabalho?

5.1.1.2 Sim - Define papéis para os usuários?

5.1.1.2.1 Sim

5.1.1.2.2 Não

5.1.1.3 Não, apenas restringe entre públicas e privadas

5.1.2 Não, as anotações são públicas

5.2 Atividade não colaborativa

6.1 Bibliotecas Digitais

6.2 Sistemas Hipermídia

6.3 Gerência Colaborativa de Documentos

6.4 Grupos de Discussão

6.5 Educacional

6.6 Autoria Colaborativa

6.7 Editores de Texto Comerciais

6.8 Arquiteturas

2. Modelo

1.1 A anotação existe como classe

Há mais de uma classe de anotação?

1.1.1 Sim

Os tipos habitam lugares-de-anotação?

1.1.1.1 Sim

1.1.1.2 Não

1.1.2 Não, só há o tipo Comentário

1.2 A anotação existe como um documento

1.3 A anotação existe apenas como um estilo gráfico diferenciado dentro do texto-base

2.1 As anotações são armazenadas separadas do texto-base

Há robustez de indexação das anotações?

2.1.1.1 Sim, para razoáveis modificações no texto-base

2.1.1.2 Não, portanto o texto-base não pode ser alterado depois de ter sido anotado

2.2 As anotações são armazenadas no texto-base

2.2.1 Texto-base é anotado colaborativamente

2.2.1.1 Há suporte a concorrência de edição de fragmentos de texto

2.2.1.2 Suporte é dado no nível de sistema de arquivos

2.2.2 Texto-base não é anotado colaborativamente

3.1 Padrão hipermídia

3.1.1 SGML

3.1.2 HTML

3.1.3 HyTime

3.2 Padrão Não hipermídia

3.2.1 Aberto

3.2.2 Fechado

4.1 Utiliza tecnologia Web

4.1.1 Utiliza um servidor Web modificado

4.1.2 Não faz modificações no servidor

4.1.2.1 Processamento no lado do cliente - utiliza applets

4.1.2.2 Processamento no servidor - utiliza programas CGI

4.2 Não trabalha na Web

4.2.1 Aplicação local

4.2.2 Aplicação distribuída

4.4. Glossário Preliminar

O glossário foi elaborado a partir de vários mecanismos de anotação estudados. Os termos são úteis para identificar quando se está falando da mesma coisa, porém com nomes diferentes. A taxionomia também está orientada pela busca de determinados conceitos no modelo adotado em cada mecanismo de anotação. Com o intuito de antender requisitos e limitações tecnológicas, os mecanismos de anotação definem modelos mais e menos complexos de acordo com as dificuldades encontradas.

Texto-base: É um documento escrito passível de interpretação.

Anotação – É o resultado de um esforço cognitivo de interpretação relativa a um trecho de um texto-base.

Lugar-de-Anotação – Classe que estrutura um conjunto de anotações

Ponto-de-Anotação – Classe que localiza o Lugar-de-Anotação no texto-base.

Anotação in-place – Anotação cujo conteúdo é visível junto ao texto sobre o qual se refere.

Anotação in-line – Anotação que aparece na linha junto ao texto sobre o qual se refere.

Anotação in situ – Anotação que aparece exatamente junto texto sobre o qual se refere.

 

4.5. Elementos para Taxionomia

Os elementos são sistemas que permitem associar anotações a documentos digitais. A forma de descrição escolhida atende a aspectos correspondentes à essência de cada solução. Tais aspectos são:

Este pequeno framework para descrição de sistemas de anotação fundamenta-se em um discussão de metáforas e paradigmas de interação [Adriano 99b]. Os conceitos de metáfora e paradigma permitem condicionar os critérios de adversidade e finalidade aos critérios de interação, modelo e implementação, como visto a seguir.

O contexto do projeto insere cada sistema num âmbito de problemas conhecidos. A adversidade é essencial, pois descreve o problema enfrentado e, portanto, define o ponto de ruptura com outras soluções. A adversidade é a motivação para o desenvolvimento de outro mecanismo de anotações. A finalidade é um refinamento da adversidade pelo estabelecimento de uma hipótese. A finalidade restringe a adversidade, pois o mesmo problema pode encontrar soluções diferentes, o que implica classificações distintas. A forma de interação decorre da finalidade. A forma de interação é adequada à percepção de características visíveis do sistema. A interação é viabilizada por metáforas em paradigmas de interação. Os paradigmas por sua vez impõem modelos. E os modelos podem receber uma ou mais implementações.

A cada passo há oportunidades para rupturas. Das necessidades de interação para a escolha de um paradigma (modelo) e do modelo para a escolha de uma implementação. Enfim, foi sob a luz deste pequeno framework, que os mecanismos de anotação descritos no Anexo I foram analisados.

Estes mecanimos são os seguintes:

  1. Sparrow, PARC, 1998
  2. ComMentor, Stanford, 1994
  3. Pan-browser, OSF Institute, 1996
  4. CoNote, Cornell University
  5. CoReview, University of Norfolk, 1995
  6. Multivalent Annotations, University of California at Berkeley, 1997
  7. WebKB, University of Adelaide,
  8. Bambi Project, Pisa Italy, 1997
  9. Interactive Book, University of Maryland, 1996
  10. ClassPad - Classroom 2000, GaTech 1996
  11. Apple MessagePad – Classroom 2000, GaTech 1996
  12. DIANE, Kapsh AG Vienna Austria e University of Stuttgart,1997
  13. PREP, Carnegie Mellon University, 1990
  14. Alliance, INRIA e Universitaire Saint-Martin, 1997
  15. NoteCards, MCC Austin, 1988
  16. Hyper-G, Graz University - Áustria, 1996
  17. HyperJangada, USP- Brasil, 1997
  18. Hypercard, Apple,1988
  19. Hypernews, NCSA, 1994
  20. BSCW, GMD - Alemanha, 1997
  21. Word, Microsoft,1998
  22. Acrobat, Adobe, 1998
  23. Lotus Notes, IBM, 1998

24. NotePals, Univerisity of California at Berkeley, 1999

25. Annotator, University of Southern California, 1999

26. INFO, University of Victoria - Canada, 1991

27. Weasel, Georgia Institute of Technology, 1993

28. Dynomite, ???, 1997