O Sistema Elétrico Brasileiro (continuação)

Como conseqüência deste crescimento, os sistemas de energia podem ser operados próximos a seus limites, demandando assim um planejamento de geração e transmissão mais cuidadoso para que sejam evitados maiores problemas. Grandes racionamentos já marcaram a história, inclusive recente, do Brasil, com reflexos desastrosos na vida urbana e na produção industrial. Na década de 50, entre as medidas inicialmente tomadas para permitir o desenvolvimento dos sistemas de geração estava a realização do inventário dos recursos elétricos. Em meados da década de 60, técnicos estrangeiros foram contratados para realizarem estudos, o que representou o marco da introdução do planejamento de sistemas de energia elétrica no Brasil. Desde então, a crescente complexidade dos sistemas de transmissão e geração de energia elétrica tem sido acompanhada por um notável desenvolvimento tecnológico. Procura-se, até hoje, aliar experiências e avanços tecnológicos internacionais com a real necessidade de solução dos problemas brasileiros. Mais particularmente, na área de planejamento da expansão e operação de sistemas geradores e de transmissão, as características físicas e sócio-econômicas do país impõem a formulação de soluções específicas para a nossa realidade e não disponíveis em outros países.

A energia elétrica deve chegar aos consumidores dentro de determinados padrões de continuidade e qualidade de suprimento, obtidas às custas de um certo investimento no sistema. Se, por um lado, investimentos insuficientes implicarão na perda de qualidade do produto, por outro lado, o excesso de investimentos resultará em um produto final com custo muito elevado, o que irá desestimular o consumo. Assim, planejar e operar adequadamente um sistema de energia elétrica significa chegar a uma solução de compromisso entre a minimização dos custos de investimentos e operação e o atendimento de padrões pré-estabelecidos de qualidade do produto final. O conceito de qualidade do produto energia elétrica está usualmente associado à continuidade do suprimento e ao atendimento de padrões de regulação de freqüência e tensão.

Soma-se a essas exigências o fato de que o ambiente no qual os engenheiros e técnicos que gerenciam os sistemas elétricos precisam operar atualmente está mudando com muita rapidez. O sistema energético brasileiro cresce em um ritmo acelerado, e a tendência é em direção a uma maior complexidade, tornando a tomada de decisões mais complicada do que no passado. O custo de se cometer erros nessa área pode ser muito grande, devido à reação em cadeia que eles podem provocar. Com a mesma visão, os benefícios (economia, qualidade de serviço, agilidade, etc.) podem ser extremamente grandes se as decisões corretas forem tomadas com rapidez e eficiência.

Como um resultado dessas tendências e mudanças, é muito difícil de se confiar em uma estratégia de gerenciamento baseada em tentativa e erro, especialmente em decisões relacionadas ao planejamento de despacho em um sistema elétrico. Os engenheiros e operadores responsáveis pelo pré-despacho freqüentemente precisam tomar decisões, e possuem pouquíssimo tempo para tal. Apesar do enorme auxílio e confiabilidade que sistemas de suporte podem fornecer, as decisões finais dependem sempre da análise e intervenção humana. Atualmente, estas tomadas de decisões são feitas baseadas em intuição e experiência, pois é muito difícil para estes profissionais correlacionar a quantidade de dados existente e suas diferentes características, como por exemplo, as localizações geográficas. Tradicionalmente, estes dados são apresentados na forma de listas tabulares.

Conjuntos de dados na forma tabular

Apesar das atuais abordagens de tomada de decisões atenderem suficientemente as necessidades de uma instalação, o volume de dados apresenta uma dimensão que dificilmente pode ser representada de forma legível e intuitiva apenas com o uso de diagramas unifilares comuns ou de tabelas convencionais. No caso do pré-despacho, uma outra exigência se faz primordial: a contextualização geográfica das informações envolvidas. O usuário necessita visualizar os dados de forma geo-referenciada para que possa decidir, de forma mais rápida e eficiente, onde e quais serão as ações tomadas. Este fator importante, no entanto, ainda não é explorado, de forma integrada, pelas ferramentas atuais de suporte à tomada de decisões para o pré-despacho.

Vários problemas relacionados com os sistemas de energia elétrica devem ser enfrentados pelos profissionais da área, que vão desde a programação da operação diária da rede (pré-despacho) até os estudos de planejamento da sua expansão, como por exemplo:

  • operação em tempo real -- garantir que a geração atenda à demanda;
  • análise de segurança em tempo real -- avaliar efeitos de eventuais alterações na rede; determinar estratégias de controle preventivo/corretivo;
  • operação econômica (despacho econômico) -- determinação das potências entregues por cada gerador de forma a minimizar custo total de geração;
  • proteção de sistemas;
  • planejamento da expansão do sistema de transmissão;
  • planejamento da expansão do sistema de geração.

O tamanho, a complexidade e os níveis de potência envolvidos nos dados sobre geração, transmissão e distribuição de energia elétrica aumentaram muito, e seguem em um ritmo crescente. Em um sistema do porte do sistema brasileiro, exige-se muita habilidade, experiência e até esforços extra-mentais por parte dos operadores para correlacionar os dados das simulações, das capacidades programadas de geração e transmissão de energia, da demanda estimada e, principalmente, das localizações espaciais dos pontos problemáticos. Soma-se a tudo isso severas restrições de tempo, uma vez que as programações são feitas para cada hora, ou até mesmo para cada meia hora, podendo ser alteradas ao longo do dia. É difícil para o operador e para o engenheiro planejador possuirem a sensibilidade para poder prever o resultado de manobras ou defeitos, dadas as dimensões do sistema elétrico.

Toda essa dificuldade pode resultar em atrasos na execução das ações ou até em erros nas tomadas de decisões -- decisões estas que podem implicar em alto custo financeiro, social e ambiental. Conclui-se, portanto, que é necessário um adequado planejamento da operação de um sistema elétrico para retirar o máximo de benefícios dos recursos que o compõem. A solução tem sido utilizar o computador como ferramenta para diversas tarefas:

  • obter modelos precisos e confiáveis dos componentes da rede -- modelagem;
  • colocá-los juntos, formando um grande circuito elétrico -- modelagem;
  • desenvolver métodos apropriados de resolução de circuitos -- solução;
  • simular cenários de operação/programação -- simulação;
  • visualizar e analisar os resultados -- visualização e análise.

Tendo em vista a grande importância das ferramentas computacionais para a eficiência e credibilidade das atividades de despacho, é visível a necessidade de se concentrar esforços para a melhoria da visualização e análise dos resultados fornecidos por estes programas, atacando os principais problemas e procurando melhores alternativas. Para isso, é preciso uma representação mais legível e compatível com os dados envolvidos no pré-despacho, que além das exigências advindas do volume de dados de um sistema elétrico, ainda requerem sua contextualização geográfica. Uma solução é utilizar o computador como ferramenta para visualizar e interagir com os dados gerados por simulações de diferentes cenários de pré-despacho, auxiliando na análise dos resultados e no planejamento da operação.

A solução dos problemas da área de sistemas de energia elétrica requereu e ainda requer muita pesquisa para a obtenção de métodos eficientes de abordagem dos mesmos. Este é um ramo muito ativo do ponto de vista de pesquisa e um grande desenvolvimento tem ocorrido nos últimos anos. O conjunto dos modelos computacionais utilizados no despacho operacional do sistema vem sendo desenvolvido desde meados da década de 80, inicialmente com custeio direto das empresas e, depois da reforma do setor de energia, através de um contrato com o ONS. Muitos destes programas ainda não está completamente implementada ou ainda não teve sua validação concluída.

Algumas dificuldades destas ferramentas já foram observadas, tais como problemas de interface e de grande sensibilidade dos resultados dos programas aos dados de entrada, como coloca o próprio órgão regulamentador do setor energético brasileiro. Além disso, o enorme volume de dados envolvido torna-se de difícil avaliação e interpretação com o uso das ferramentas convencionais que não contemplam as localizações geográficas, se limitando à simples exibição de tabelas numéricas convencionais, que devem ser utilizadas em conjunto com simples diagramas unifilares. Isso prejudica a percepção, por parte dos operadores, tanto das alterações em importantes variáveis do sistema.

Em noso trabalho, acreditamos que, ao invés da representação numérica, uma outra proposta de representação, mais legível e apropriada ao contexto do pré-despacho, não só reduziria os esforços mentais decorrentes de sua interpretação, mas também poderia promover novos insights aos problemas e melhorar a qualidade das decisões.

(continua...)