IA368 - Tópicos em Engenharia de Computação

 

Tecnologias da Infra-estrutura de Informação em Ambientes Colaborativos de Ensino

 

Autoria Colaborativa – Visão Geral

 

Monografia Final

 

Marcos Lordello Chaim RA 876091

 

Resumo

 

Esta monografia analisa a relação entre o processo de autoria colaborativa e a tecnologia computacional. Para tanto, foram identificados os principais conceitos envolvidos neste processo, a saber, espaço compartilhado, coordenação e consciência. Em seguida, são analisadas as principais características das ferramentas de apoio à autoria colaborativa e como estas características implementam os conceitos identificados no processo. É ainda apresentada uma experiência de ensino utilizando um editor colaborativo síncrono. O trabalho conclui que as ferramentas mais adequadas são as que incorporam os conceitos do processo de maneira flexível.

 

1. Introdução

 

No sentido vulgar, o conceito de autoria está normalmente vinculado à idéia de alguém que realiza alguma coisa. Por exemplo, "a autoria do atentado foi atribuída ao grupo ...", "fulano é responsável pela autoria do crime". Assim, autoria e autor (quem faz) se confundem. No sentido jurídico, segundo Henrique Gandelman (Gandelman, 1997), autoria é um atributo do detentor de direitos patrimoniais sobre obras intelectuais – o que, em bom português, significa quem pode ganhar dinheiro com a obra. O mesmo jurista classifica as obras intelectuais em quatro grandes divisões:

 

 

 

 

 

Assim, sob a ótica legal, o conceito de autoria pode estar associado a um indivíduo, a vários, à pessoa jurídica (empresa) que encomenda a obra ou ao diretor geral de uma obra coletiva como, por exemplo, o diretor de um filme.

 

Do ponto de vista cognitivo, o conceito de autoria é bem diferente. A ciência da Cognição não está preocupada com os direitos patrimoniais advindos da realização da obra intelectual. Ela está sim interessada no processo de produção dessa obra. Dessa maneira, autoria é o processo intelectual que leva à realização da obra intelectual.

 

O processo de autoria pode envolver apenas um indivíduo ou mais de um; neste segundo caso, temos um processo de autoria colaborativa. O processo de autoria colaborativa pode ser classificado em níveis. Na chamada autoria colaborativa real, os participantes colaboram em todas as tarefas, em oposição à autoria em co-publicação (co-publishing), em co-responsabilidade (co-responding) e aos cenários de ajuda (helping scenarios) (Michels,1995). Na co-publicação, a obra colaborativa é resultado da soma dos trabalhos de cada indivíduo; na co-responsabilidade os indivíduos interagem apenas na fase de revisão; e nos cenários de ajuda ocorre a ajuda voluntária durante o processo de escrita propriamente dito.

 

Na verdade, existem os mais variados níveis de interação e formas de organização que se alteram durante o processo de autoria (Neuwirth et al.,1990; Ellis et al., 1991; Posner & Baecker, 1992). Porém, todos são processos de colaboração para elaboração de obras intelectuais. Se observamos atentamente a classificação acima, verificaremos que apenas a obra individual é que utiliza um processo de autoria rigorosamente individual, e mesmo assim, muito freqüentemente, um autor individual pede sugestão aos colegas para obter uma avaliação sobre seu trabalho. Do ponto de vista do processo, já está sendo envolvido um outro indivíduo e, portanto, já está ocorrendo colaboração, ou seja, um processo de autoria colaborativa.

 

Com o advento dos computadores, um novo conjunto de oportunidades surgiram para melhorar o processo de autoria colaborativa. A possibilidade de conexão remota dos participantes do processo, a utilização de recursos gráficos, multimídia e de editoração eletrônica, bem como a tecnologia de banco de dados para armazenamento de informações são apenas algumas das tecnologias computacionais que podem vir a serem usadas no contexto de autoria colaborativa. A utilização da tecnologia computacional na autoria colaborativa deu origem a uma área de pesquisa chamada Autoria Colaborativa mediada por Computador (Computer Supported Collaborative Writing).

 

Este trabalho pretende estudar o processo de autoria colaborativa e a sua relação com as tecnologias computacionais. Diferentemente do que as pessoas normalmente pensam, a incorporação pura e simples do computador em processos que envolvem seres humanos não implica necessariamente a sua melhoria (Clement, 1990). Para que a sua utilização represente um ganho de produtividade e qualidade é necessário entender como estes processos ocorrem e onde e como a tecnologia computacional irá contribuir para seu aprimoramento.

 

O processo de autoria colaborativa mais estudado é o de produção de textos. Posner & Baecker (1992) realizaram um estudo de vários grupos envolvidos na produção de textos em colaboração. Neste estudo, os textos elaborados incluíam uma gama variada de material como artigos científicos, livros, roteiros para televisão, texto jornalísticos etc. Neuwirth et al. (1990) fizeram, por sua vez, uma análise do processo de produção de textos cientíticos; e Ellis et al. (1991), da fase de elaboração de idéias. Devido a este fato, o presente trabalho levará em consideração aspectos da produção de textos em colaboração, apesar de o processo de autoria colaborativa não se restringir apenas a textos e poder ser estendido para outras formas de realização intelectual como as gráficas, as musicais e inclusive computacionais como especificações de sistema e programas (Chang et al. 1998).

 

Na próxima seção, discutiremos o processo de autoria colaborativa, procurando identificar seu funcionamento; na Seção 3, serão apontados os conceitos próprios envolvidos; a Seção 4 tratará das características das ferramentas computacionais que auxiliam a autoria colaborativa, com ênfase na sua relação com os conceitos próprios identificados na seção anterior; a Seção 5 apresenta uma experiência em educação utilizando uma ferramenta de apoio à autoria colaborativa. As conclusões do trabalho são discutidas na Seção 6.

 

2. Processo de Autoria Colaborativa

 

Atividade de elaboração de textos é uma das tarefas intelectuais mais complexas existentes. Entre as razões dessa complexidade incluem-se o fato de não existir uma solução esperada bem definida ou um objetivo fixo (open-ended task), e muito menos uma seqüência de passos que levam ao resultado esperado; permite várias soluções possíveis, todas igualmente válidas; e o processo para obtenção do texto desejado tem um caracter interativo: raras vezes a primeira versão é a definitiva.

 

Estes problemas são multiplicados várias vezes quando se está tratando da produção de textos em colaboração. Estas dificuldades são magnificadas porque a autoria colaborativa exige que os envolvidos expressem as suas idéias em relação ao objetivo comum, requer o estabelecimento de um consenso e também a execução comum desse entendimento, o que pressupõe a coordenação de ações.

 

Vários pesquisadores procuraram identificar o processo cognitivo envolvido na produção de textos, podendo ser destacado o modelo de Flower & Hayes (Michels,1995) que identifica três fases principais:

 

 

Posner & Baecker (1992), a partir de uma pesquisa envolvendo vários grupos relacionados com a produção de textos, obtiveram um modelo para o processo de autoria colaborativa baseado em categorias. As categorias identificadas foram:

 

 

Os papéis enfocam o processo sob o ponto de vista do indivíduo, analisando as tarefas de cada um no grupo. As atividades definem as ações a serem realizadas para o alcance do objetivo. As estratégias de escrita, por sua vez, enfocam o processo sob o aspecto da transcrição das idéias para o texto. Finalmente, os métodos de controle de documentos descrevem como é gerenciado e coordenado o acesso aos documentos.

 

2.1 Papéis

 

Em um processo de autoria em colaboração, existem vários papéis a serem desempenhados. Um dos papéis mais importantes é o de escritor (Posner & Baecker, 1992) ou autor (Neuwirth et al.,1990); é ele que é o responsável pela elaboração do texto propriamente dito.

 

Outro papel é o do consultor. O consultor trabalha conjuntamente com o escritor na elaboração das idéias e da estrutura do texto, mas não o elabora. A relação do consultor-escritor é definida em geral por uma relação de hierarquia, seja funcional, seja intelectual, como a relação chefe de redação-jornalista, orientator-orientando, produtor-roteirista etc.

 

Outros papéis são o de revisor (Posner & Baecker, 1992) ou comentarista (Neuwirth et al.,1990) cuja função é fornecer comentários a respeito do texto, que podem ou não serem aceitos pelo escritor. O editor tem a função de realizar modificações em um texto escrito por outra pessoa. Normalmente, ocorre no contexto jornalístico e artístico. No ambiente científico, o editor tem a função de adequar um texto aos padrões da publicação e garantir que as modificações propostas ou exigidas pelos avaliadores sejam realizadas.

 

2.2 Atividades

 

Ede e LunsFord (Posner & Baecker, 1992) identificaram as seguintes atividades dentro do processo de autoria:

 

 

Note-se que este conjunto de atividades não é muito distinto do proposto por Flower & Hayes para o processo tão somente de autoria, a menos do fato de ser mais detalhada.

 

Em geral, as atividades são relacionadas aos papéis. Por exemplo, os escritores, escrevem; os revisores, revisam; e os editores, editam. Nas atividades iniciais de brainstorming e planejamento ocorrem exercícios de idéias. Neste momento é que acontece a maior participação dos consultores que auxiliam na definição das idéias e como elas serão compostas (planejamento) no texto.

 

É importante observar que os papéis podem realizar mais atividades do que as naturalmente relacionadas. Por exemplo, um consultor pode, posteriormente, realizar revisão ou edição. Este mesmo fato pode ser abordado de maneira distinta. Não é o papel que realiza mais atividades, são os papéis que se alteram. No exemplo, o consultor passa a ser revisor.

 

2.3 Estratégia de Escrita

 

Há várias estratégias para transpor as idéias abstratamente definidas no brainstorming e no planejamento para o papel . As razões para a adoção de uma ou outra podem variar de questões como hierarquia, disparidade geográfica, prazo de término, maturidade dos membros do grupo etc. As estratégias identificadas foram:

 

 

A escolha da estratégia um único escritor pode ser decidida, por exemplo, por uma questão de hierarquia (e.g.: orientando escreve artigo; repórter redige matéria), pela necessidade de manter-se a unidade do texto, devido ao domínio da tecnologia por um dos membros (e.g.: somente um elemento do grupo domina o software de edição eletrônica) ou porque o grupo é disperso geograficamente.

 

A estratégia escriba ou relator é utilizada principalmente na atividade de brainstorming e planejamento. É uma tarefa ingrata porque requer a atenção do relator para a reunião e, ao mesmo tempo, a anotação das principais idéias, ou da organização decidida do texto, para uso na fase de escrita. Apesar de estar relacionada com estas atividades, nada impede de se utilizar a estratégia na fase de escrita propriamente dita.

 

A próxima estratégia – vários escritores – possui a grande vantagem de permitir o trabalho em paralelo. Em geral, é utilizada quando a pressão de prazo é grande, ocorrendo a divisão de trabalho de tal forma que cada escritor escreve uma parte do texto. Para que a estratégia obtenha bons resultados é necessário dar unidade ao texto. Em geral, é escolhido um escritor que toma as partes dos demais é uniformiza o estilo; caso contrário, o que ocorre é uma colcha de retalhos representada por vários estilos.

 

A escrita conjunta é uma estratégia que exige maturidade para funcionar. Normalmente, os grupos compostos somente de novatos têm dificuldade com esta estratégia devido a disputas pela liderança. Outra observação interessante é que esta estratégia obteve sucesso quando foi aplicada nas fases iniciais de escrita em que se prepara a estrutura do texto ou produz-se um resumo para cada seção. Quando a estratégia é utilizada no final do projeto, ela tem obtido resultados desfavoráveis.

 

Um ponto importante é que as estratégias podem ser combinadas; e, normalmente, são. Em um projeto de produção de texto, pode-se começar com uma estratégia (e.g.: vários escritores) e terminar com outra (e.g: único escritor; no caso, o editor).

 

2.4 Métodos para controle de documentos

 

A atividade colaborativa pressupõe documentos que são compartilhados entre os elementos do grupo de trabalho. Para que seja possível conseguir o objetivo final, que é o texto, é preciso que o acesso aos documentos seja organizado de forma que o processo de colaboração chegue a bom termo. Esta organização é conseguida controlando-se o acesso aos documentos.

 

Normalmente, este controle está relacionado com a estratégia de escrita utilizada. Por exemplo, as estratégias um único escritor ou escriba estabelecem um controle centralizado do documento, pois quem gera o texto – no caso o único escritor ou o relator – é que controla o documento. Já a estratégia vários escritores impõe naturalmente um controle de acesso independente, isto é, cada escritor controla a parte do texto que lhe cabe. Na escrita conjunta, o controle pode ser transferido sucessivamente para quem está escrevendo ou pode haver um controle compartilhado do documento em que cada escritor escreve em um ponto do documento mas, no trecho onde está escrevendo, somente ele tem acesso.

 

Portanto, pode-se resumir os tipos de controle de documentos em centralizado, independente, compartilhado e chaveado (Relay). O controle centralizado é aquele em que um indivíduo controla o acesso a todo o documento; no independente, cada elemento da equipe possui o controle de acesso sobre a sua parte e o mantém durante toda a atividade de escrita; o método compartilhado permite acesso simultâneo e com iguais privilégios de escrita para todos o membros da equipe; e o método chaveado estabelece que um indivíduo detém o controle do documento por vez, sendo o controle passado sucessivamente para quem está escrevendo.

 

Vale aqui a ressalva já feita em relação às estratégias de escrita e as atividades. Apesar de os métodos de controle estarem associados a estratégias de escritas, nada impede a utilização de métodos que não sejam naturalmente relacionados com as estratégias de escrita. No processo de autoria colaborativa, qualquer rigidez é prejudicial porque quem deve definir qual o método de controle a usar, e em que momento, é o grupo.

 

3. Conceitos de Próprios de Autoria Colaborativa

 

Da análise do processo de autoria colaborativa descrito, foi possível identificar cinco conceitos que são próprios da autoria colaborativa. Alguns são bem evidentes no processo; outros, nem tanto. São eles: Modo de Interação, Local da Interação, Espaço Compartilhado, Coordenação e Consciência (Awareness). Os dois primeiros conceitos foram identificados nas primeiras taxonomias sobre trabalho colaborativo como a proposta por Johansen (Ellis et al., 1991), enquanto que os outros são mencionados em vários trabalhos sobre autoria colaborativa (Ellis et al., 1991; Dourish & Bellotti, 1992).

 

3.1 Modo de Interação

O conceito de Modo de Interação está relacionado com a forma de trabalho do grupo colaborativo. Por exemplo, quando todos os elementos do grupo trabalham ao mesmo tempo em uma dada atividade do processo, então tem-se um modo de interação síncrono; caso contrário, se os elementos trabalham em momentos distintos, então tem-se um modo assíncrono. Note-se que as atividades de brainstorming e planejamento têm um caracter predominantemente síncrono; já a escrita, revisão ou edição comportam o trabalho assíncrono.

 

3.2 Local da Interação

 

O Local da Interação define onde ocorre fisicamente a interação. Se os elementos do grupo trabalham no mesmo local, a interação é presencial, pois se dá na presença física dos participantes; se o trabalho é realizado em locais diferentes, não ocorre na presença física dos participantes, e, por isso, é dito ser não-presencial.

3.3 Espaço Compartilhado

 

O Espaço Compartilhado pode ser definido como o espaço onde irão atuar os participantes do processo. Por Espaço Compartilhado, entende-se o quadro negro (lousa, flip-chart etc.) ou White-Board (eletrônico) utilizado durante a atividade brainstorming; os desenhos e esquemas elaborados no planejamento; o manuscrito gerado na escrita; o arquivo compartilhado por vários escritores; os manuscritos ou arquivos que cada escritor independentemente gera e que é, posteriormente, agregado em um documento único etc. Enfim, como as atividades do processo de colaboração são distintas, o espaço compartilhado também muda, porém, o importante é que ele constitui o veículo pelo qual acontece o trabalho colaborativo, não importando se em um dado momento um único elemento o controla.

 

3.4 Coordenação

 

A Coordenação diz respeito à organização das ações dos indivíduos devido ao fato de que estão trabalhando de maneira colaborativa. Este conceito envolve a resposta a seguinte pergunta: que atividades os escritores precisam realizar para poderem trabalhar de maneira colaborativa (Neuwirth et al.,1990) ? Trata-se, portanto, da organização das atividades dos participantes do processo, de forma a atingir o objetivo final que é a obra intelectual.

 

O conceito de Coordenação pode ser identificado no processo de autoria colaborativa quando ocorre a definição de papéis, das estratégias de escrita e do controle de acesso aos documentos.

 

A definição de papéis está relacionada com a coordenação porque, ao defini-los, está sendo estabelecido as funções de cada participante.

 

As estratégias de escrita definem como cada participante vai atuar no espaço compartilhado. Por exemplo, na estratégia escriba ou relator, é o relator quem escreve e, por isso, coordena a geração do documento; porém, se a estratégia for vários escritores, então cada um realiza sua parte e o texto é unificado posteriormente. Dessa forma, a estratégia escolhida estabelece uma forma de coordenação do trabalho colaborativo.

 

O controle de acesso aos documentos também contribui para a coordenação, pois coordena a forma de acesso ao espaço compartilhado.

 

3.5 Consciência (Awareness)

 

O conceito de Consciência (awareness) pode ser definido como o mecanismo pelo qual um participante toma conhecimento das atividades dos demais membros do grupo e as entende dentro do contexto da sua própria atividade e do objetivo do grupo. O contexto é importante para garantir que as contribuições individuais sejam relevantes para as atividades do grupo como um todo, e avaliar as ações individuais em relação ao progresso em direção ao objetivo do grupo. (Dourish & Bellotti, 1990).

 

A Consciência pode ser pode ser obtida através, por exemplo, de papéis, comentários e mecanismo de apontamento. O uso explícito de papéis fornece informações sobre as características da atividade do participante. Se o papel de um elemento é revisor, o potencial de atividades que ele pode realizar já é sabido a priori.

 

Outra maneira de se obter a consciência é através dos comentários que podem ser de dois tipos. Um tipo é quando a própria pessoa que realizou a atividade faz um comentário sobre aquilo que realizou. Este tipo de abordagem é implementada em programas de controle de versões como o RCS (Tichy, 1985) que exigem a elaboração de um comentário sempre que uma nova versão do documento é gerada. Há também os comentários que são realizados por outros membros do grupo sobre a atividade realizada por determinado membro, no caso, é o trabalho de um revisor ou consultor. Este tipo de comentário ocorre quando o revisor escreve ao lado do texto as suas opniões ou quando envia uma mensagem eletrônica com seus comentários.

 

Os mecanismos de apontamento servem para mostrar o trecho sobre o qual está sendo feito o comentário. Normalmente, em um manuscrito, isto ocorre ao lado do texto através de uma seta.

 

4. Autoria Colaborativa mediada por Computador – Características

 

Uma aplicação imediata da computação no processo de autoria colaborativa é a sua utilização na atividade de escrita assíncrona não presencial através da tecnologia de redes. Esta utilização pode ser implementada através da transferência de arquivos (ftp), divulgação de material via rede (www) e troca de mensagens eletrônicas (e-mail).

 

Pode-se observar que esta aplicação é baseada apenas no uso das tecnologias existentes no contexto de escrita colaborativa, ou seja, há apenas a adaptação da atividade à tecnologia. Como não é levado em consideração aspectos próprios da atividade de escrita, este fato traz problemas como espaço compartilhado precário e esquemas fracos de coordenação e consciência.

 

O espaço é precário porque é constituído apenas do arquivo e do editor de textos. Os mecanismos de coordenação são fracos porque são baseados em papéis, estratégias de escrita e mecanismos de controle de acesso ao documento definidos e implementados socialmente, isto é, informalmente. A implementação do conceito de consciência é dificultado porque os comentários são inseridos ou dentro do próprio texto em elaboração, o que confunde texto e comentário, ou através de mensagens eletrônicas que, por sua vez, implementam comentários fora do contexto do trecho comentado. Outra dificuldade relativa à consciência são os mecanismos de apontamento, pois é muito difícil referenciar o trecho do texto que está sendo feito comentado; em geral, recorre-se a artifícios como identificar a linha do parágrafo objeto de comentário no corpo do comentário.

 

Porém, esforços foram realizados no sentido de desenvolver ferramentas específicas para autoria colaborativa mediada por computador. Estas ferramentas procuraram levar em consideração aspectos próprios da autoria colaborativa e, na maioria das vezes, envolveram o desenvolvimento de editores colaborativos como Aspects (Mitchell et al., 1995), GROVE (Ellis et al. 1991), Quilt (Leland et al., 1988), PREP (Neuwirth et al., 1990), ShrEdit (Dourish & Bellotti, 1992) etc.

 

Posner & Backer (1992) afirmam que não é realístico um editor que auxilie todas as atividades de autoria colaborativa. Este fato é verificado na prática, pois não existem editores que apoiam todas as atividades do processo de autoria. Isto ocorre porque as atividades do processo têm aspectos cognitvos distintos (Neuwirth et al., 1990). Por exemplo, nas atividades de brainstorming e planejamento, é mais indicada a interação síncrona com a elaboração de desenhos, esquemas e planos (Ellis et al., 1991); já nas demais atividades, tanto a interação síncrona como a assíncrona são indicadas e o tipo de documento gerado é basicamente o texto escrito.

 

Assim, para que a tecnologia computacional consiga auxiliar o processo de autoria colaborativa é preciso que ela implemente os conceitos próprios da autoria colaborativa, mesmo que para apenas uma ou duas atividades do processo. A seguir, analisaremos as características das ferramentas de autoria colaborativa com relação ao conceitos próprios identificados na seção anterior.

 

Quanto Modo de Interação e Local de Interação

 

Os editores para autoria colaborativa podem ser síncronos presenciais, síncronos não-presenciais, ou assíncronos não-presenciais, conforme o seu modo de interação e local de interação. Em geral, os editores síncronos permitem o funcionamento nos dois tipos de locais de interação. Não foi incluída aqui a categoria assíncrona presencial porque não faz sentido a existência deste tipo de ferramenta, visto que ela se tornaria síncrona informalmente, pois, certamente, os participantes do processo trocariam informações entre si no local de interação, que é presencial.

 

A ferramenta Aspects (Mitchell et al., 1995) é um exemplo de editor síncrono (presencial ou não presencial) dirigido para interação de pequenos grupos e aplicação em Educação; GROVE (Ellis et al. 1991) é um editor síncrono dirigido para as fases iniciais do processo de autoria que pode ser utilizado de forma presencial ou não presencial. PREP (Neuwirth et al., 1990), por sua vez, é um editor assíncrono dirigido para a elaboração de idéias, produção inicial de textos, comentários e revisão.

 

Quanto ao Espaço Compartilhado

 

O conceito de Espaço Compartilhado é muito amplo e compreende todas as informações que são veiculadas durante a interação. Tipicamente, nas atividades iniciais (brainstorming e planejamento) do processo de autoria, é importante dispor da possibilidade de elaboração de desenhos, armazenamento de imagem, som e anotações (texto). Em outras atividades (escrita, revisão e edição), o dado na forma textual tem predominância, mas outros tipos de dados podem ser importantes como um comentário em áudio de uma parte do texto. Dadas estas características, este conceito é naturalmente implementado através de sistemas hipermídia (Neuwirth et al., 1990).

 

É igualmente importante armazenar os dados hipermídia gerados durante as atividades em colaboração. Para tanto, é necessário que as ferramentas disponham de sistemas gerenciadores de bancos de dados (SGBD) (Neuwirth et al., 1990) com capacidade hipermídia.

 

O processo de autoria tem uma característica interativa (Michels,1995); esta interação manifesta-se pela seqüência escreve-revisa-(edita comentários) (Neuwirth et al., 1990). Durante esta seqüência, versões intermediárias do trabalho são geradas. É importante que a implementação do espaço compartilhado permita o armazenamento de todas as versões dos documentos, ou seja, as ferramentas devem prever a inclusão de controle de versões (Posner & Baecker, 1992) nos seus requisitos.

 

Como não existe um editor que apóie todas as atividades da autoria colaborativa, é necessário que haja compatibilidade no formato das informações fornecidas entre as ferramentas. Isto é especialmente importante porque foi verificado que durante a atividade de escrita as informações do brainstorming e do planejamento são recorrentemente referenciadas pelos revisores (Posner e Baecker, 1990; Neuwirth et al., 1990).

 

O editor PREP (Neuwirth et al., 1990), que é um editor que apóia principalmente as primeiras atividades do processo, fornece um espaço compartilhado bem completo. Os dados são definidos através do conceito de chunks que a grosso modo corresponde ao conceito de idéia. Os chunks podem conter texto, árvores, redes e imagens. A motivação por trás deste tipo de dado é fornecer um mecanismo natural para expressar argumentos. O espaço compartilhado de PREP fornece ferramentas para a edição de desenhos e também para a interligação dos chunks em topologias do tipo rede. Daí concluir-se que o espaço compartilhado de PREP é um sistema hipermídia. Solução semelhante, baseado no conceito de hipermídia, é fornecida pela ferramenta Quilt.

 

PREP ainda armazena os chunks em um SGBD e os apresenta através de uma interface baseadas em colunas. Estas colunas servem para dar diferentes aspectos dos chunks. Por exemplo, na primeira coluna pode estar o plano para a elaboração de uma seção de um texto; na segunda coluna, o texto propriamente dito; e, na terceira, o comentário de um revisor.

 

A ferramenta GROVE (Ellis et al., 1991) também apóia a elaboração de idéias mas fornece um conjunto de recursos para o espaço compartilhado bem mais simples do que PREP, pois, basicamente, fornece um editor para a anotação das idéias geradas durante a interação do grupo.

 

Quanto à Coordenação

Uma das maneiras de se implementar o conceito de Coordenação é através de papéis. Há duas soluções para a incorporação de papéis em uma ferramenta. A primeira delas é a incorporação explícita, ou seja, quando um indivíduo é introduzido no processo de autoria colaborativa mediada pela ferramenta, ele é cadastrado com um papel. Esta é a solução escolhida pelas ferramenta PREP e Quilt. Outra solução é a implementação implícita de papéis através dos mecanismos de acesso aos documentos. Por exemplo, quando um elemento tem o controle centralizado do documento, ele possui implicitamente o papel do escritor. Esta segunda solução é implementada em GROVE.

Outra forma de coordenar as atividades do processo de autoria colaborativa é através da implementação de estratégias de escrita. As estratégias de escrita definem como vão atuar os indivíduos em função de seus papéis. Quilt, por exemplo, implementa o conceito de tipo de colaboração associado a um determinado papel. O tipo de colaboração é um atributo configurável para cada processo de autoria colaborativa em particular. Assim, para um dado grupo, pode ocorrer do revisor não somente comentar mas também ter privilégios para alterar o corpo do documento. Trata-se da estratégia de escrita particular do grupo.

 

A forma mais óbvia de coordenação é o controle de acesso ao espaço compartilhado. Cabe ressaltar que os métodos de controle de acesso a documentos úteis para a autoria colaborativa são diferentes dos protocolos para tratamento de concorrência disponíveis para sistemas de banco de dados. Por exemplo, é perfeitamente aceitável do ponto de vista da autoria colaborativa que seja estabelecido um protocolo social para acesso ao espaço compartilhado. Por protocolo social, deve-se entender o estabelecimento de regras negociadas pelo grupo sem a utilização de quaisquer mecanismos de bloqueio. Ferramentas como GROVE e Aspects, apesar de possuírem mecanismos de controle de acesso, encorajam o estabelecimento do protocolo social entre os membros dos grupo por entender que esta forma de atuação ser eficiente (Ellis et al., 1991).

 

Todavia, os protocolos implementados via software também são importantes, pois garantem uma segurança quanto a forma de atuação dos membros do grupo independentemente de negociação. Existem os mais variados tipos de métodos de controle de acesso a documentos. Há ferramentas como Aspects que garantem que cada parágrafo é editado por apenas um indivíduo e outras que permitem até o bloqueio de caractere.

 

No tocante ao controle de acesso, as ferramentas síncronas diferenciam-se das assíncronas porque no primeiro caso o tempo de resposta é um parâmetro crítico. Para as primeiras são necessários protocolos que possuem tempo de resposta pequeno, enquanto que para as últimas os mecanismos baseados em transações – mais lentos – funcionam bem. Esta abordagem é utilizada na ferramenta Quilt.

 

Concluindo, com respeito ao conceito de coordenação, as ferramentas mais eficientes são aquelas que implementam mecanismos que organizam a forma de atuação do grupo mas possuem flexibilidade para que ele mesmo se organize.

 

Quanto à Consciência

 

O conceito de consciência diz respeito ao conhecimento e entendimento das atividades do grupo. Segundo Dourish & Bellotti (1992), os mecanismos de consciência podem ser de dois tipos: informacionais ou compartilhados.

 

Os mecanismos informacionais são aqueles em que o provedor da informação a fornece explicitamente. É o caso dos sistemas que permitem que um participante do processo faça comentários sobre a sua atividade (e.g.: RCS) ou sobre as atividades dos demais participantes (e.g.: Quilt, PREP). São também os sistemas que incorporam a definição explícita de papéis (e.g.: Quilt, PREP). O indivíduo, ao assumir um determinado papel no processo de autoria, está indicando aos demais quais as atividades poderá realizar e, inclusive, que irá se restringir apenas a estas atividades.

 

Outros mecanismos também informacionais são os mecanismos de teleapontamento (cursor e mouse disponíveis no espaço compartilhado) (e.g.: Aspects), chats textuais ou através de vídeo e áudio (e.g.: GROVE) etc.

 

Os mecanismos compartilhados são aqueles obtidos a partir do espaço compartilhado de maneira passiva, ou seja, não requer que haja o fornecimento da informação por um membro do grupo, a informação está disponível caso o participante a deseje.

Há vários exemplos de mecanismos compartilhados. Alguns deles, por exemplo, são a indicação da contribuição de cada indivíduo no documento através de cores; a utilização de ícones para indicar a presença e atuação de um membro (e.g.: Aspects, GROVE); janelas compartilhadas por vários membros (e.g.: Aspects, GROVE, ShrEdit); a possibilidade de um participante rastrear as tarefas que estão sendo realizadas por outros indivíduos (e.g.: ShrEdit); a indicação do status de um trecho por meio de informações gráficas (e.g.: GROVE indica que um trecho está prestes sofrer uma alteração através de uma nuvem sobre ele; utiliza também cores para indicar a idade de um trecho, se ele é recente, sua cor é azul, na medida em que envelhece, muda para preto) etc.

As críticas em relação aos mecanismos informacionais estão vinculadas ao fato de que eles exigem um esforço do provedor da informação que não reverte para ele, mas para o grupo. Isto implica a necessidade da compreensão da importância da atividade – que muitas vezes consume tempo e é chata – para o grupo. A segunda crítica é que freqüentemente a informação provida não é a desejada pelo seu destinatário.

Os problemas dos mecanismos compartilhados, por sua vez, estão relacionados com sua ergonomia. Muitas vezes, um conjunto grande de informações visuais confundem e distraem o participante, não contribuindo para a consciência das atividades do processo de autoria colaborativa.

Os mecanismos de consciência, quando analisados sobre a ótica do modo de interação, possuem algumas discrepâncias. Em geral, os mecanismos orientados para o modo assíncrono têm granulosidade maior porque envolvem a informação sobre um conjunto de ações realizadas no espaço compartilhado (e.g.: comentário sobre um trecho escrito; a indicação através de cores do responsável por um trecho), enquanto os mecanismos das ferramentas síncronas têm uma granulosidade menor porque estão relacionados com a atuação imediata do indivíduo (e.g: rastreamento das ações de um membro).

Em resumo, os mecanismos relacionados com o modo assíncrono têm como objetivo fornecer informações sobre ações passadas dos indivíduos; já os mecanismos associados ao modo síncrono, a ação do indivíduo no momento em que ocorre (Dourish & Bellotti, 1992). Tantos os mecanismos informacionais como compartilhados se prestam a essas tarefas.

 

5. Uma experiência em Educação

 

A autoria colaborativa mediada por computador pode ser utilizada no contexto educacional para auxílio à elaboração de material didático, trabalhos em grupo etc. A experiência descrita a seguir apresenta um ambiente de ensino que realiza a produção de textos de maneira colaborativa (Mitchell et al., 1995).

 

O objetivo dessa experiência era avaliar a influência de um editor síncrono colaborativo no aprendizado e na elaboração de textos por estudantes. Para tanto, foi selecionado um grupo de oito alunos de 12 anos cuja tarefa era produzir uma revista sobre o tema preconceito.

 

A ferramenta escolhida para mediar o processo de autoria colaborativa foi o editor colaborativo Aspects. Apesar de poder ser utilizado de maneira não-presencial, o editor foi utilizado de maneira presencial com os alunos dispostos em dois grupos de quatro elementos. Aspects tem como característica não implementar explicitamente papéis, porém, fornece métodos de acesso ao espaco compartilhado permitindo que apenas um indivíduo edite um parágrafo por vez.

 

 

5.1 A experiência

 

Os estudantes passaram por uma fase inicial de estudo e treinamento quando receberam informações e discutiram o tema, exercitaram tarefas em colaboração como escrever um poema e uma estória em conjunto, foram treinados para utilizar o editor e também exercitaram três estratégias de escrita, a saber, escriba ou relator, escrita conjunta e vários escritores. Posteriormente, foram deixados livres para estabelecer a estratégia que desejassem.

 

Inicialmente, os estudantes manifestaram não saber o que significava escrever junto. Este fato resultou em um comportamento em que cada estudante trabalhava em paralelo com pouca comunicação. Este comportamento estava diretamente relacionado com a dificuldade dos estudantes de entender o conceito de espaço compartihado. Foi necessário um certo tempo até que os estudantes entendessem que todos tinham acesso ao documento.

 

Percebendo que o trabalho paralelo não estava fornecendo bons resultados, os estudantes passaram a utilizar a estratégia escriba com um escritor escrevendo e os demais como consultores. Esta forma de trabalho envolveu pouca adaptação dos estudantes ao uso da tecnologia computacional visto que somente o escritor acessava o documento e os consultores somente forneciam sugestões.

 

À medida em que houve adaptação à tecnologia, os estudantes começaram a fazer uso dos mecanismos disponíveis no editor, mesmo mantendo a mesma estratégia de escrita. Por exemplo, enquanto o escritor ia transformando as idéias em texto, outros participantes, em suas máquinas, iam lendo os trechos já escritos, sugeriam modificações e indicavam através de teleapontamento erros de ortogafia. O interessante é que o adoção da estratégia escriba, mesmo informalmente, levava ao controle do documento centralizado, pois os demais participantes (consultores) não faziam alterações.

 

Um dificuldade encontrada foi com o uso da tecnologia propriamente dito. Os estudantes freqüentemente se distraiam com os tipos de fontes e com brincadeiras utilizando os mecanismos de teleapontamento e chat. Mitchell et al. (1995) sugerem que as funções da ferramenta fiquem disponíveis de maneira gradual, de forma a evitar, ou diminuir, a ocorrência desses problemas.

 

Durante esta experiência ficou evidente a importância do conceito de consciência, tanto a própria como a dos outros. Mesmo depois de seis semanas de trabalho com o editor, o estudantes, em dados momentos, faziam as perguntas Onde estou? O que estou fazendo?

 

A primeira pergunta pode ser facilmente respondida se ela diz respeito à localização no documento compartilhado A segunda pergunta, porém, tem como objetivo saber se as ações do indivíduo estão sendo observadas pelo outros. Por exemplo, quando alguém faz uso do mouse no espaço compartilhado, é preciso saber se a mesma ação está ocorrendo no ambiente dos demais participantes.

 

Igualmente importante era a consciência do outro representada pelas perguntas Onde você está? O que você está fazendo? Quem fez isto? As dificuldades expressas pelas perguntas se devem porque Aspects fornece mecanismos de consciência compartilhados muito simples. Por exemplo, o editor indica através de uma barra lateral que alguém está editando um parágrafo, mas não diz qual membro do grupo é o responsável pela edição. Daí a pergunta Quem fez isto? quando alguém faz algo que não é esperado.

 

Estes problemas puderam ser contornados pelo fato do local de interação ser presencial, o que permitia que os estudantes dessem uma olhada na estações dos outros para saber o que estava acontecendo, ou obtivessem as respostas das perguntas diretamente dos outros membros.

 

A experiência também demonstrou o desenvolvimento do conceito de coordenação. Como a ferramenta fornecia um controle de acesso muito trivial (em termos de parágrafo), a coordenação ocorria através das estratégias de escritas. A estratégia mais usada foi a escriba ou relator, porém, em vários momentos houve mudança dinâmica de estratégia, ocorrendo a troca para outras estratégias como vários escritores e escrita conjunta. A escolha da nova estratégia sempre surgia a partir de uma negociação, seja através da eleição de um relator, seja porque, em não havendo consenso, cada um partiu para o trabalho independente.

 

5.2 Resultados

 

Da experiência, pôde-se observar o caracter dinâmico da interação síncrona presencial. Este fato já havia sido obervado por outros pesquisadores (Posner & Baecker, 1992; Neuwirth et al., 1990; Ellis et al., 1991).

 

Durante o processo de elaboração da revista, houve a mudança freqüente dos papéis implícitos (escritor e consultor) como decorrência direta das mudanças de estratégia de escrita, mostrando que em atividades de grande interação a implementação de estratégias de escrita e papéis é importante mas deve ser flexível.

 

Ao final de 20 semanas de trabalho de autoria colaborativa, obteve-se como resultado uma revista de 32 páginas. Os alunos afirmam ter escrito a revista "juntos", coisa que eles desconheciam antes da experiência realizada. Talvez, esta seja a melhor definição de autoria colaborativa: a percepção de que o resultado do trabalho individual é o resultado do trabalho do grupo, e não dos indivíduos componentes do grupo (Mitchell et al., 1995). Outros resultados da experiência foram o aprendizado sobre o tema e da forma de trabalho em colaboração.

 

 

6. Conclusões

 

Where is the life we lost living?

Where is the wisdom we lost in knowledge?

Where is the knowledge we lost in information?

 

T. S. Eliot (The Rock)

 

Este trabalho teve como objetivo identificar as relações entre o processo de autoria colaborativa e a tecnologia de computadores. Para tanto, foi estudado este processo independentemente da tecnologia computacional. Neste estudo, foram identificadas as categorias desse processo, a saber, papéis, estratégias de escrita e métodos de controle de documentos.

 

Os papéis enfocam o processo sob o ponto de vista do indivíduo. As atividades definem as ações a serem realizadas para o alcance do objetivo. As estratégias de escrita, por sua vez, enfocam o processo sob o aspecto da transcrição das idéias para o texto. Finalmente, os métodos de controle de documentos descrevem como é gerenciado e coordenado o acesso aos documentos.

 

A partir do processo de autoria colaborativa e da taxonomia clássica dos sistemas computacionais de apoio ao trabalho colaborativo (CSCW – Computer Supported Cooperative Work) (Ellis et al., 1991), identificamos cinco conceitos próprios da autoria colaborativa: Modo de Interação, Local da Interação, Espaço Compartilhado, Coordenação e Consciência (Awareness).

 

O Modo e Local de Interação refletem a forma e o local do processo de autoria colaborativa. Se ele ocorre ao mesmo tempo, temos o modo síncrono; se em momentos diferentes, o modo assíncrono. O processo de autoria colaborativa que ocorre face a face possui local de interação presencial; o que ocorre em lugares distintos, não presencial.

 

O conceito de espaço compartilhado representa o local onde se dá o processo de autoria. A coordenação define como as ações dos indíviduos são organizadas para a obtenção do objetivo. A consciência estabelece os mecanismos que permitem a um participante do processo conhecer e entender as ações dos outros dentro do contexto das suas próprias ações e do objetivo do grupo.

 

Estes conceitos ocorrem no processo de autoria colaborativa independente da utilização ou não da tecnologia computacional. Porém, esta somente contribuirá para o sucesso do processo de autoria colaborativa se levar em consideração estes aspectos.

 

As tecnologias geradas pela Ciência da Computação podem, por exemplo, auxiliar a implementação do espaço compartilhado através de editores com características de sistemas hipermídia, apoiados em SGBD e que fornecem controle de versões dos vários tipos de documentos gerados no espaço compatihado.

 

A coordenação pode ser apoiada através de ferramentas capazes de implementar papéis, estratégias de escrita e métodos de controle de acesso aos documentos. O detalhe importante é que estes mecanismos devem ser flexíveis e orientados para as atividades que a ferramenta pretende apoiar, pois as atividades do processo de autoria colaborativa têm aspectos cognitivos e características distintas, de tal sorte que não há uma única ferramenta que apóie todo o processo.

 

O conceito de consciência pode ser implementado de maneira informacional ou compartilhada. A primeira maneira requer o fornecimento da informação por um provedor (e.g.: revisor fornece comentário sobre um trecho). A segunda maneira torna a informação disponível ao interessado no espaço compartilhado (e.g.: cor indicando quem introduziu determinado trecho em um documento). As ferramentas computacionais podem auxiliar a implementação deste conceito através de interfaces homem-máquina dedicadas à autoria colaborativa. Estas interfaces devem levar em consideração aspectos como facilidade para introduzir e ler comentários, mecanismos de teleapontamento, janelas compartilhadas, rastreamento de ações de um indivíduo etc.

 

O trabalho apresentou uma experiência de uso de um editor colaborativo síncrono no ensino de redação em grupo. O grupo em questão era composto de estudantes de primeiro grau sem experiência em autoria colaborativa. Esta experiência demonstrou a importância dos três principais conceitos identificados – espaço compartilhado, coordenação e consciência, pois as dificuldades encontradas pelo grupo estavam relacionadas com implementação precária destes conceitos, seja por deficiência do editor, seja por inexperiência do grupo.

 

Os resultados em termos de aprendizado de redação em grupo mostrou-se muito efetivo visto que os estudantes saíram com a percepção de que o trabalho era do grupo e não dos indivíduos. Como resultado adicional, o grupo diz ter aprendido sobre o tema do projeto de redação. A crítica com relação à experiência realizada é que ela não comparou o resultado do grupo que utilizou o editor com os resultados de grupos que utilizam métodos semelhantes de ensino, porém sem o apoio de uma ferramenta computacional.

 

É importante ressaltar que quando falamos na implementação dos conceitos não implica que os principais conceitos tenham de possuir uma implementação computacional. O processo de autoria colaborativa deve ser mediado pelo computador, o que não quer dizer que ele deva implementar todos os conceitos necessários. Uma parte deles pode ser implementado informalmente pelo grupo de acordo com a sua dinâmica. Inclusive esta flexibilidade de é uma característica do próprio processo de autoria colaborativa.

 

Concluindo, uma nota explicativa a respeito da citação acima. Ela consta da tese de Michels (1995) e pareceu-nos muito apropriada para o processo de autoria colaborativa mediada por computador. A idéia é ressaltar a dimensão humana deste processo, pois a armadilha da informação pode nos levar não só à perda do conhecimento mas, principalmente, da sabedoria. A autoria colaborativa mediada por computador somente terá sucesso se não perder de vista o homem e a maneira como trabalha.

 

Bibliografia

 

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Gandelman, H. De Gutenberg à Internet -- direitos autorais na era digital, 2a Edição, Rio de Janeiro: Record, 1997.

 

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Neuwirth, C.M; Kaufer, D.S.; Chandhok, R. e Morris, J.H. "Issues in the design of computer support for co-authoring and commenting", In: Anais da ACM 1990 Conference on Computer Supported Cooperative Work, Out. 1990.

 

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Posner, I.R.; e Baecker, R.M. "How People Write Together", In: Anais da 25th Hawaii International Conference on System Sciences, Volume IV, Jan. 7-10, 1992, pp. 127-138.

 

Michels S. Co-writing, Look and Feel!, Tese de Mestrado, Tilburg University, Holanda, 1995.

 

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